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  • Dr. João Marcus

Vínculo empregatício de motoristas de Aplicativo



A pergunta do milhão:


- Motorista de aplicativo tem vínculo empregatício com a plataforma?


Essa pergunta, cuja resposta positiva, sim, representa cifras milionárias a favor dos motoristas é de difícil constatação.


A definição do vínculo empregatício depende de requisitos específicos, que se estiverem presentes em conjunto numa determinada relação, podemos dizer, com alguma certeza que se trata de uma relação de trabalho.


Por que digo com alguma certeza? Porque na prática é difícil, muitas vezes identificar os requisitos.


Tal questão tomou a ordem do dia quando, no início de Novembro, o MPT de São Paulo ingressou com ações contra as empresas 99, Uber, Rappi e Lalamove para que elas sejam obrigadas a reconhecer o vínculo empregatício com entregadores e motoristas.


Antes de falar especificamente dos motoristas de aplicativos, vamos deixar claro os requisitos do vínculo empregatício, a fim de que possamos analisar individualmente cada um deles no caso dos motoristas.


- Requisitos do vínculo empregatício


O art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho assevera: “considera-se empregado toda e qualquer pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”


Desta definição de empregado exsurgem os requisitos da relação de trabalho, quais sejam: serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.


Temos, portanto, o serviço que deve ser prestado por pessoa física, não se considerando empregado, pessoa jurídica. Essa pessoa física deve estar pessoalmente envolvida com o trabalho, devendo ser ele, e somente ele a comparecer na empresa, ou a logar no sistema, sendo-lhe vedado que outro trabalhe em seu lugar.


Esse trabalho deve ser prestado de modo não eventual, ou seja, não é aquela prestação sem continuidade, mas aquela com habitualidade. O que não se confunde com a quantidade de dias trabalhados na semana, mas sim com a constância do serviço prestado.


Além de ser habitual, a prestação deve se dar de forma subordinada a alguém, ao empregador. Deve haver dependência do empregado para com o empregador. Aquele deve estar sujeito a ordens e comandos, quanto ao serviço prestado, quanto a prestação de contas e cumprimento de horários, por exemplo.


O requisito da onerosidade determina que os serviços prestados devem ser remunerados, ou seja, se o trabalho realizado é a título gratuito, inexiste o vínculo de emprego.


- Motoristas de aplicativo


Acho que ninguém tem dificuldade de enxergar o vínculo empregatício de um motorista de ônibus, por exemplo.


Ele trabalha para uma empresa, tem que cumprir ordens, estar pessoalmente, todos os dias e por isso recebe um salário.


No entanto, tal facilidade não se dá com os motoristas de aplicativo.


Primeiramente temos dificuldade de enxergar um vínculo, ou uma subordinação, pois, criou-se uma ideia de que o motorista de aplicativo é um autônomo, que trabalha para si próprio, o que inicialmente já lhe impossibilitava qualquer sombra de vínculo.


No entanto, a dinâmica das plataformas tem transformado a realidade laboral de seus “colaboradores autônomos”, isso porque na busca de maximizar os lucros, e minimizar os custos, têm utilizado de ferramentas que criam uma dependência do trabalho, com o cumprimento de jornadas extenuantes, e cumprimento de metas, atingimento de recompensas, para que se possa sobreviver neste ramo.


Em razão disso o Ministério Público está há algum tempo observando e verificando o dia a dia dos motoristas, podendo observar que as condições as quais são impostas, podem sim caracterizar vínculo empregatício.


As irregularidades relacionadas ao vínculo de contratação desses trabalhadores são objeto de mais de 600 inquéritos civis (IC) em tramitação pelo país e também de oito ações civis públicas (ACP) ajuizadas na Justiça do Trabalho, após o MPT constatar a existência de irregularidades nas relações de trabalho estabelecidas por algumas empresas de aplicativos.


No total, 625 procedimentos já foram instaurados contra 14 empresas de aplicativos: Uber (230), iFood (94), Rappi (93), 99 Tecnologia (79), Loggi (50 procedimentos), Cabify (24), Parafuzo (14), Shippify (12), Wappa (9), , Lalamove (6), Ixia (4), Projeto A TI (4), Delivery (4) e Levoo (2).


Diante dessas irregularidades na prestação de serviços, podemos analisar a relação específica, em cada requisito da caracterização do vínculo:


- Da Pessoalidade


Não há necessidade de falar que se trata de prestação de serviço por pessoa física. Mas além disso, há uma obrigatoriedade da pessoa que se cadastrou no aplicativo realizar as corridas, até por uma questão de segurança. A foto do motorista que está no aplicativo do consumidor final, é de quem deve estar dirigindo.


- Não eventualidade


O motorista trabalha diariamente, pois, precisa entregar longas horas de seu dia, todos os dias, para que possa pagar suas contas no final do mês.


- Da onerosidade


Seguramente, a relação jurídica entre o motorista e a plataforma não é gratuita, havendo intenção onerosa. O preço do transporte do" usuário passageiro "é definido pela plataforma, calculado com base em um preço básico acrescido da distância e/ou quantidade de tempo, a chamada" tarifa dinâmica "e poderá ser alterado , a critério exclusivo da plataforma, a qualquer momento, sendo pago pelo" usuário passageiro "que retira uma porcentagem do preço, a qual também poderá ser ajustada - tanto em seu percentual quando a forma de cálculo - a critério exclusivo da plataforma e a qualquer momento.


- Da subordinação


A subordinação jurídica é o coração do contrato de trabalho, elemento fático jurídico sem o qual o vínculo de emprego não sobrevive.


Tem-se que o elemento distintivo da subordinação se configura ainda que o poder de controle comando se deem por meio dispositivos eletrônicos, como é o caso de comandos inseridos no algoritmo do software utilizado por plataforma, pois são meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão que se equiparam aos meios pessoais e diretos de subordinação jurídica por expressa dicção legal (art. 6º, parágrafo único, da CLT).


A plataforma detém um algoritmo que é "um conjunto metódico de passos que pode ser usado na realização de cálculos, na resolução de problemas e na tomada de decisões" e é alimentado por pessoas humanas que o programam para tomar decisões, dentre as quais: advertir o motorista que faz sucessivos cancelamentos em prejuízo ao negócio atender o passageiro o mais rapidamente possível e com qualidade. (HARARI, Yuval Noah. Homo Deus. Uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 91.)


"As plataformas são "alimentadas por dados, automatizadas e organizadas por meio de algoritmos"(VAN DIJCK; POELL, T.; DE WAAL, 2018). Segundo Kleinberg "pode-se pensar

informalmente um algoritmo como um passo a passo, um conjunto de instruções, expressado em uma linguagem estilizada, para a resolução de um problema"(KLEINBERG, 2008. p. 1). Ele transforma" dados em resultados desejados "(GILLESPIE, 2018).


Os algoritmos, como qualquer outra tecnologia, são produzidos a partir do trabalho humano para empresas de tecnologia e ao mesmo tempo," também são resultados das interações das pessoas comuns com esses algoritmos "(GROHMANN, 2020). É criado pelas empresas que constroem e determinam as regras do negócio. Ele que controla a relação laboral, aparece como executor da vontade e valores das empresas, um intermediário entre a plataforma e o trabalhador. Em tempos de arquitetura da informação (WURMAN, 1997) (e o controle está aí, na maneira como a informação é produzida e manipulada pela empresa), principalmente aquele que está sendo controlado, não enxerga a pessoa do controlador, podendo portanto, compreender a técnica como neutra.


Mazzotti (2017) alerta que o algoritmo é considerado invisível, apesar de integrado em diversos aspectos do cotidiano das pessoas, torna-se uma caixa preta e é afastado do escrutínio do público, passando a ser encarado como um elemento natural. Isso gera ar de falsa liberdade, de falsa autonomia, ou melhor de liberdade controlada, necessários nos dias atuais. Portanto, é necessário o exercício de ressaltar que o algoritmo de neutro não tem nada. Para afastar o que Taina Bucher (2017) chama de imaginário algorítmico de neutralidade e objetividade. (CASTRO, Viviane Vidigal. As ilusões da uberização do trabalho: um estudo à luz da experiência de motoristas Uber.. In: 44º Encontro Anual da ANPOCS, 2020. Anais do 44º Encontro Anual da ANPOCS.)


Neste cenário, vê-se claro o motorista tem um chefe, um empregador.


E ainda lembrar que o algoritmo é nutrido por dados e elaborado para atingir resultados no interesse daquele que o detém, ou seja, da plataforma. O algoritmo não é neutro. E, melhor elaborando, tendo a concluir que o chefe do motorista é o dono do algoritmo, a plataforma.


- Conclusão


Está muito claro que o motorista de aplicativo, nesse contexto que estamos vivendo, é empregado das plataformas e por isso precisa ter seu direito tutelado pelo ordenamento jurídico.


A desculpa de que eles são os próprios patrões, ou de que a plataforma é um meio de ajudar aqueles desempregados quer mascarar a exploração dos motoristas, que não tem qualquer condição de negociação com o empregador, tendo que se submeter às regras para sobreviver.


Eles não têm condições de escolhas, não podem cobrar o preço que quiserem, não podem recusar corridas, não podem concorrer com outros que fazem o mesmo trabalho, pois, todos estão sujeito ao mesmo regime.


A Recomendação nº 197 da Organização Internacional do Trabalho -OIT - relativa à

Relação de Trabalho, com a valorização do Trabalho Decente -, determina o combate às relações de trabalho disfarçadas no contexto de outras relações que possam incluir o uso de formas de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal.


Para mim, está muito claro o vínculo e os Tribunais têm começado a decidir nesse sentido, em unidade aos Tribunais na Europa, como na Inglaterra, França e Espanha, que já entenderam nesse sentido.


Portanto, devem os trabalhadores buscarem seus direitos, a fim de que possam permanecer dignamente no mercado de trabalho, sendo mantida sua dignidade, vitória há muito já alcançada pelo homem.


- Jurisprudência


RECURSO ORDINÁRIO. UBER. MOTORISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA. EXISTÊNCIA. (TRT-1 - RO: 01008539420195010067 RJ, RELATOR: CARINA RODRIGUES BICALHO, DATA DE JULGAMENTO: 21/07/2021, SÉTIMA TURMA, DATA DE PUBLICAÇÃO: 28/07/2021)


PROCESSO nº 0010258-59.2020.5.03.0002 (RORSum) RECORRENTE: RODRIGO DE AL-MEIDA MACEDO RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. RELATOR(A): AN-TÔNIO GOMES DE VASCONCELOS


6ª TURMA - 11ª CÂMARA PROCESSO N. 0011710-15.2019.5.15.0032 RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTE: ROGERIO ADRIANO VENANCIO MARTINS RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS JUIZ (A) SENTEN-CIANTE: ANDRE LUIZ MENEZES AZEVEDO SETTE RELATOR: JOÃO BATISTA MARTINS CÉSAR TRABALHO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS (crowd economy, gig economy, freelance economy - economia sob demanda). VÍNCULO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. ACORDO CELEBRADO NO DIA ANTERIOR À SESSÃO DE JULGAMENTO. NÃO HOMOLOGA-ÇÃO. JURIMETRIA.

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